STJ debate revisão da tarifa de água de condomínios

Para rever decisão que considerou a ilicitude da cobrança da tarifa de água no valor do consumo mínimo (15 m³) vezes o número de unidades do condomínio, quando há um único hidrômetro, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) realizou no dia 05/09/23 audiência pública com representantes de concessionárias de água e esgoto e de defesa do consumidor.

Tem muitos condomínios que não consomem a tarifa mínima cobrada pelas concessionárias, mas são obrigados a pagar pela água que não usam.  Exemplificando, um edifício com 100 apartamentos recebe uma fatura de 1.500 m³ (o mínimo de 15 m³ x 100 apartamentos), não importando se consumiu apenas 800 m³. A distribuidora paga o custo de 800 m³ pela água tratada pela Cedae, mas cobra 1.500 m³ do condomínio. E essa despesa dobra para os condôminos, uma vez que a tarifa de esgoto é igual a 100 por cento da conta de água.

O ministro Paulo Sérgio Domingues, relator dos recursos que podem levar à revisão do Tema 414  convocou a audiência para rediscutir a legalidade da metodologia de cálculo. De acordo com o edital de convocação da audiência, são três as metodologias possíveis para a determinação da tarifa, com cálculo pelo consumo real global, pelo consumo individual presumido e pelo consumo real fracionário.

A tese fixada pelo STJ em 2021, a ser revisada, diz que “não é lícita a cobrança de tarifa de água no valor do consumo mínimo multiplicado pelo número de economias existentes no imóvel, quando houver único hidrômetro no local. A cobrança pelo fornecimento de água aos condomínios em que o consumo total de água é medido por único hidrômetro deve se dar pelo consumo real aferido.”

Concessionária alega prejuízo

De acordo com a primeira tese, o cálculo pelo consumo real global toma o condomínio como um único usuário, havendo, a partir daí, o enquadramento do consumo efetivo nas faixas de consumo estabelecidas pela prestadora do serviço.

Ao defender essa tese, Bruno Calfat, advogado representante das empresas Águas de Niterói e Águas do Imperador, sustentou a ilegalidade do critério híbrido para cobrança da tarifa (consumo real fracionário). Além disso, o advogado argumentou que a desconsideração do método de consumo real global implicaria prejuízo do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.

Para o representante da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), Ronaldo Seroa da Motta, a alteração na estrutura tarifária poderia representar aumento de tarifa. “Sem equilíbrio econômico-financeiro, a possibilidade da expansão da tarifa social estaria em risco, e a universalização preconizada no marco regulatório poderia não ser alcançada”, afirmou.

Por outro lado, o advogado Erick Dantas Caldas disse que a adoção dessa tese não faz sentido para o consumidor, uma vez que ele acaba usando boa parte de seus recursos financeiros com o serviço, pagando, inclusive, por água que não consumiu. “Essa forma de cobrança é totalmente injusta. Ela não privilegia o consumidor final. Entendemos que essa problemática de custos de investimento deve ser resolvida entre a concessionária de serviço público e o Estado”, declarou.

Cobrar mais de quem ganha mais

A segunda tese considera que o cálculo deve ser feito a partir do consumo individual presumido, o qual leva em conta cada unidade como um usuário potencial do serviço, categorizado como pequeno consumidor e incluído na primeira faixa de consumo. Nesse caso, a tarifa calculada desconsidera a aferição real do hidrômetro, correspondendo ao valor da tarifa mínima multiplicada pelo número de unidades do condomínio.

Em defesa dessa metodologia, o presidente da Associação Brasileira das Empresas Estaduais de Saneamento (Aesbe), Neuri Freitas, também condenou a adoção do critério híbrido, pois, segundo ele, com tal metodologia o valor da fatura para as pessoas de classe média que não moram em condomínios seria maior do que para aquelas que moram em condomínios de luxo.

“Isso fere a isonomia. Para viabilizar o saneamento básico, temos que cobrar mais caro de quem ganha mais, e menos de quem não tem condição de pagar. Teremos, assim, um problema de subsídio cruzado, porque vão existir situações em que quem ganha menos vai subsidiar o condomínio. Então, entendemos que, nesses condomínios não individualizados, o método de cálculo deve se dar pelo consumo individual presumido”, declarou.

De maneira diversa, a advogada Katia Cristina Cavalcante, especializada no tema de cobrança de água e esgoto no Rio de Janeiro, criticou a forma de cálculo dessa metodologia por se basear no consumo de um volume mínimo de água que, muitas vezes, não corresponde à realidade. Segundo a especialista, “a aferição fictícia resultaria na cobrança de tarifas injustas para o usuário que não consumiu o valor cobrado”.

Na mesma linha de raciocínio, Igor Costa Couto, representante da Associação Nacional de Combate ao Abuso do Poder Econômico e Defesa do Consumidor (Ancade), afirmou que a tese é “contrária ao direito ambiental e ao do consumidor”.

Acesso à água com tarifa adequada

A terceira e última tese é a do cálculo de tarifa de acordo com o consumo real fracionário. Ao argumentar em favor da tese, Adriana Sotero Martins, pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), defendeu que, embora não exista norma jurídica estabelecendo o acesso ao saneamento como direito fundamental, ele pode ser entendido como consequência de princípios constitucionais.

“A democratização do acesso ao serviço de água passa pela adequada tarifação dos serviços: as tarifas devem se adequar à capacidade de pagamentos dos usuários”, disse a pesquisadora.

Thiago Aguiar de Pádua, representante da Associação Brasileira dos Constitucionalistas Democratas (ABCD), ponderou que o direito à vida depende do direito a água suficiente, segura e a preços razoáveis. Nessa linha, o advogado explicou que a metodologia mais adequada, do ponto de vista dos direitos humanos, é aquela que forneça ou permita o fornecimento de água pelos preços mais razoáveis possíveis.

“O consumo real fracionado é aquele que permite essa perspectiva. As outras metodologias chegam a ser 30% superiores em termos de valores, o que parece militar contra qualquer perspectiva de direitos humanos e a perspectiva da normatividade constitucional”, declarou.

 

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